Como fazer o ajuste sem penalizar os mais pobres
São Paulo – A era do Partido
dos Trabalhadores (PT) no
poder deixou dois grandes legados econômicos.
Um deles foi a redução da pobreza; o
outro foi o descontrole nas contas públicas. Dá para resolver o segundo sem
retrocesso no primeiro?
"Os pobres não são
responsáveis pela nossa crise fiscal então não devem ser penalizados, e tem
várias maneiras de fazer isso", garantiu Ricardo Paes de Barros,
economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, em evento na
semana passada.
Ele é um dos colaboradores da
"Travessia Social", proto-programa do PMDB para a área social.
Ultimamente, vem destacando que os 40% mais pobres tem apenas 10% do PIB, então
dá para mexer em muita coisa sem prejudicá-los.
As transferências de renda não
são as maiores rubricas do Orçamento. O Bolsa Família, por exempo, gasta 0,4%
do PIB para atender 46 milhões de pessoas com foco definido,
boa gestão e resultados comprovados sobre educação e mortalidade
infantil.
“É uma perda de tempo fazer
economia de migalhas nos direitos sociais. Dá para fazer ajuste pró-ricos ou
pró-pobres e cada caminho tem um efeito diferente sobre a desigualdade. Se não
for mais pesado nos mais ricos, será um ajuste covarde”, diz Marcelo Medeiros,
pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um dos maiores
especialistas do país em desigualdade.
Um exemplo perfeito do que não
fazer foi dado ontem com a aprovação, comemorada pelo presidente interino, do
reajuste de várias categorias do funcionalismo público com impacto estimado pelo
Broadcast de R$ 52 bilhões até 2018.
Gastos
Por enquanto, a principal
medida anunciada pelo novo governo foi o estabelecimento de um teto que limite
o crescimento dos gastos públicos à taxa de inflação do ano anterior, contendo
a atual trajetória insustentável de crescimento da dívida pública.
O Itaú
Unibanco projeta que se o Brasil aprovar o teto e crescer 3% ao ano
em média até 2030, o gasto do governo central deve cair em 2030 para o nível de
1997 (a equipe já admite estabelecer um prazo de vigência para a regra).
Temer garantiu que os
percentuais fixos constitucionais para educação e saúde não serão modificados.
Na prática, a Desvinculação de Receitas da União (DRU) elaborada ainda sob
Dilma e aprovada pela Câmara já permitirá mais flexibilidade.
Não há dúvida que é possível
fazer muito mais com os recursos no nível atual. No ranking de
competitividade do IMD lançado nesta segunda, por exemplo, o Brasil
aparece alto no total de gasto público em educação (9º lugar) e baixo na nota
do sistema educacional (59º).
"Tem muito espaço para
prover bem público com a mesma fatia do PIB. É quase proporcional: quanto maior
o gasto, mais ineficiente tende a ser. Vejo isso como um ato de
redisciplina", diz Sérgio Firpo, professor do mestrado do Insper.
Resta saber se esses ganhos de
eficiência serão mesmo suficientes para garantir melhora contínua no acesso e
qualidade com menos recursos.
Economistas como Marcos Lisboa,
ex-secretário de Política Econômica no governo Lula, defendem uma focalização
da despesa através de medidas como a cobrança de mensalidade de alunos ricos
nas universidades públicas.
Previdência
Além do teto, a outra grande
proposta em gestação pelo novo governo é de uma reforma da Previdência. O
Brasll já gasta nessa área um percentual próximo do de países muito mais ricos
e envelhecidos: 11% do PIB, com previsão de alta para 16% do PIB em 2030.
A ideia é estabelecer uma idade
mínima de aposentadoria (algo que poucos países não tem) por volta dos 65 anos
com possível desvinculação dos benefícios da alta do salário mínimo.
Paes de Barros costuma destacar
que o beneficiário da Previdência já está entre os 30% mais ricos da sociedade.
“Gasto com Previdência é um péssimo
instrumento para fazer política redistributiva porque o aposentado em geral não
é o mais pobre na pirâmide: há uma parcela grande que ganha um salário mínimo e
uma pequena que ganha muito. Equalizando isso, você já tem um impacto grande
sobre a distribuição de renda”, diz Firpo, do Insper.
Mas o diabo mora nos detalhes,
até do ponto de vista político: uma mudança já impopular pode se tornar
intragável se não tocar em excrescências como as pensões vitalícias para filhas
de militares, por exemplo.
Tributos
Como cerca de 90% dos gastos
são engessados por lei, os ajustes fiscais no Brasil foram historicamente
feitos pelo lado da receita, mas o governo Temer não confirma nem descarta
aumentos de impostos.
Há uma avaliação de que a carga
tributária chegou ao limite e que um aumento poderia prejudicar o crescimento,
além de presão pública após uma campanha de impeachment que teve entre seus
atores e a Fiesp e seu slogan “Não vou pagar o pato”.
Há membros na equipe, como
Mansueto Almeida, secretário de Acompanhamento Econômico, que dias antes de
entrarem no governo defendiam
como inevitável um aumento da carga tributária.
Neste campo, o que não faltam
são ideias – nenhuma perfeita. A Contribuição Provisória sobre Movimentações
Financeiras (CPMF) tem aplicação rápida e é praticamente impossível de
sonegar, mas reproduz o defeito básico do nosso sistema tributário: é
regressiva.
Como é cobrada proporcionalmente,
pesa mais sobre os mais pobres, assim como impostos sobre o consumo como o
Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)
“Nossa carga é muito
concentrada nesse tipo de base porque é uma arrecadação relativamente segura já
que todo mundo consome bens de primeira necessidade, mesmo na crise. E quem
paga não sente diretamente, então não causa problemas políticos”, diz Tathiane
Piscitelli, professora de Direito Tributário da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Dividendos
Em estudo
recente, dois economistas do Ipea sugerem a volta da cobrança de
Imposto de Renda sobre dividendos, a parcela do lucro das empresas distribuída
a pessoas físicas, extinta em 1995.
Eles preveem uma arrecadação na
faixa de R$ 43 bilhões a R$ 59 bilhões por ano. O Brasil é hoje um dos poucos
países de economia importante que não tem esta cobrança (dentro dos países
desenvolvidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, a
Estônia é a única exceção).
André Horta, presidente do
conselho que reúne os secretários de Fazenda dos estados, disse que a ideia
apareceu na atual
renegociação das dívidas estaduais.
“Tentamos aprovar o imposto
sobre lucros e dividendos e juros de capital próprio. E perdemos, querida. Não
passa no Congresso”, disse Dilma Rousseff em entrevista
recente.
IR e Grandes Fortunas
Outras ideias que surgem
frequentemente são mudanças na tabela do Imposto de Renda, tributação de heranças
e a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas previsto na Constituição
de 1988.
Elas tem a vantagem da
progressividade mas o potencial de arrecadação é limitado - especialmente com a
capacidade dos mais ricos de estruturar seus patrimônios através de pessoas
jurídicas para fugir da tributação.
A revisão do IR, em especial,
pode acabar prejudicando mais uma vez os empregados com carteira assinada
enquanto profissionais liberais seguem cobrando como se fossem pequenas
empresas e pagando pouco imposto no processo. Este nó precisa ser desatado.
“Um imposto suplementar sobre
os destinatários das maiores rendas representaria uma forma concreta de deixar
claro que mercados mais livres não precisam significar mais desigualdade”, diz
Albert Fishlow, brasilianista da Universidade de Columbia.
Outro caminho é a revisão de
benefícios para setores específicos por meio de crédito e isenções fiscais. A
conta dos subsídios via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), por exemplo, foi de R$ 313 bilhões entre 2008 e 2015, o equivalente a
12 anos de Bolsa Família.
"Temos uma crise e ela
precisa ser enfrentada. Ponto. Mas é preciso parar com essa histeria em torno
do ajuste e começar a olhar para o médio prazo. Temos um país cheio de
problemas e a depender de como o ajuste for feito, não vamos resolvê-los",
diz Medeiros.
Fonte: http://exame.abril.com.br/economia/noticias/como-fazer-o-ajuste-sem-penalizar-os-mais-pobres
Comentários
Postar um comentário